terça-feira, 23 de setembro de 2008

Pupa

Ela é linda, forte, sensível e não teme o predador,
Dentro da sua crisálida de cor dourada, vai preparando-se para seu grande vôo,
O processo de crescimento dentro do casulo, tem sido lento e saboreado,

O primeiro bater de asas dói, pois deve ser rápido e brusco - Vida.


Aconchegada nessa casquinha, assusta-se com o barulho de outras asas,
Intimida-se e desconfia que não será capaz de voar tão alto,
E curiosa em saber quais serão as suas cores futuras, ela sofre,

Sofre a dor da incerteza, a dor do crescimento, a dor do destino - Rito de Passagem


Tudo que é doído, suado e sofrido, quando passado tem sabor encantado,
Sabor de legítimo, de autêntico, sabor de mito ultrapassado,

Ela sabe que vai voar alto e que suas asas serão multicores,

Porém, não está dispensada das manifestações do incerto - Natureza


A fada vai chegar com poções de alívio e acalento,

O mago traz a confiança embrulhada para presente,
Seu vôo fundamental e primeiro será sentido como solitário,

Mas a fada e o mago estarão voando ao lado de sua alma - Pais

O sucesso do imago é inevitável, restarão lembranças e memórias,

Do casulo, da crisálida, da dúvida e do primeiro vôo,

A borboleta, então, estará se alimentando do néctar doce e esperado,

Ela encara a fase adulta exuberante e certa das cores de suas asas - Metamorfose completa

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Simplesmente





Queria muito esse querer, parecia orar por isso todos os dias,
Queria juntar-se e não mais sentir-se isolada, aguardava resoluções,
Porém, nada estava na sua alçada, tudo dependia da conjuntura,
Da infra-estrutura, da ocasião, do mérito e da pirâdime estrutural,
A qual já havia sido requintada, requentada e paralisada,

Nesse questionamento "aguardativo", ela espiava dois grupos distintos de criaturas,
O primeiro composto por pessoas desvalidas de sentimentos e fortemente guarnecidas de contruções abstratas,
Com capacidade cruel de descarregar todas suas frustações no seu outro
Fundamentados em suas mitomanias crônicas, essas criaturas vão elaborando estórias,
Se construindo e se compensando nelas e através delas,
Tentando tapar suas camadas de ozônio mentais com fantasias e narrativas fictícias,
Abalando e pervertindo o equilíbrio dela,

O segundo grupo formado por sujeitos capazes de acalentar e olhar,
Desnudados de maldade e forjados na flexibilidade do ouvir,
Nus e de pés descalços massageiam a areia molhada e macia da praia morna,
Com comportamentos maleáveis e adocicados, são esses seres que despertam,
Nela um repertório de transições, mutações e mudanças enriqueceroras,

Ela quase sempre habita seu lado de fora do mundo, numa forma enlouquecida de convivência,
A demência, vez ou outra, apodera-se dela; porém, quanto mais lucidez e sensibilidade ela tem,
Mais sofrido é viver regras impostas pela sociedade que, normalmente, a sufocam e estrangulam,
Ela fica grande e sábia quando encontra em si mesma os ítens que quer alterar,
Ela não quer mudar nem trapacear, ela quer transgredir, superar e ser superada,

Ela deseja ser o meio, a equação, o "entre", o ponto médio, nem boa nem má, apenas ela,
Quer o pacto das duas partes, o ressoar e o entoar do resultado da reinvenção do bom,
Quer o vínculo, o elo, a ligação, a bússula, a semente na terra, o fruto no pé,
Ela quer vida, vida vivida, vida sabida, vida inventada, vida brincada, vida verdade,
Quer tradição, eterno, perdão, paixão, cabeça na lua e muito pé no chão,


Ela não quer fórmulas, não quer receitas, não quer paradigmas, não quer parâmetros, nem dogmas,

Quer somente o bom e o equilíbrio entre forças e grupos ,

Quer a senóide dos sentimentos, a negociação com a dor e o acordo com a alegria,

Outra vez, ela quer ser a absoluta e real justaposição, a relação vertical e a congruência.


Seu desejo profundo e exclusivo é ver e sentir o regular, o coerente, o ordinário e o harmônico,

Ela quer simplesmente o simples.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Ela


Fera enjaulada, fera aprisionada, fera encarcerada, fera enclausurada, fera acuada
É assim que se sente quando é contida, ela é gado em pastagem, ela é solta.
É de um só enquanto pode sustentar-se em suas grandes asas pelos céus da cidade,
É de muitos quando tem a sensação de voar em bando reprimida,
É de todos no instante que prevê seu calabouço, ela águia.

Ela é dispersa, volumosa e volátil, ela é ar, gás, energia, vibração,
Tudo dela é em curta metragem, rápido, ligeiro, ela é trovão e chuva de verão.
Dispensa as overdoses, agradece os discusrsos, não gosta de palestras,
Nada pode demorar mais que o tempo de um raio rasgando o espaço, ela é velocidade.

É angustia da sentença, é de amores passageiros, é de amantes grosseiros,
Selvagem por natureza, não se importa com seu cio, foi talhada na luxúria,
De prazer em prazer vai moldando sua carne fresca e fundindo-se em outros,
É pura, singela, natural e simples; porém, agressiva, áspera e adversa.

Desconstruiu seus castelos de areia e montou sua choupana de amores,
Ventou em pradarias , cantou em guetos, berrou aos quarto cantos do mundo,
Choveu em caatingas, respingou-se em areais e queimos-se nos cerrados,
Desativou bombas amorosas, torpedeou pares e alavancou catapultas de vida.

Prefere vinho porque tem a cor de sangue, bebe champanhe pelas bolinhas,
Pise firme e sem dó, pisa no chão, pisa na grama e esmaga quem passar na sua frente,
Dura e acre, formou-se da vinagre azeda e levedou-se em diferentes massas,
Doce e meiga, criou-se para a festa, para crença, para missa e para o circo.

Ela encanta enquanto canta, ela dorme enquanto chora, ela falece enquanto perece,
Ela é universal, própria, não tem donos, coleiras ou amarras, ela é de todos,
Ela é só e ela é plena, ela é esperanto, ela é mundo,
Ela abrange tudo, ela vem de mim e de você. Ela somos nós.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Luz







Fingiu que acreditara que a romaria era para ela e sorriu sorrisos de malevolência e piedade, posou de vadia arrependida e se fez santa.
Fez de conta que se arrumara para a ocasião, fechou seus olhos grandes e vivos para toda desfaçatez, simulou, desavergonhadamente, cada gesto e palavra.
T
udo pensado, calculado, preparado para a frieza do calor do descaramento da mentira, hipocrisia e sarcasmo. Participou da brincadeira de circo e de farsa.
Apresentou-se no palco, não como palhaça, mas como a dama da comédia.

Ela nem se importa, segue aprumada, altiva, empinada e delirante,
Aprimorando cada vez mais seu jeito malandra de viver,
Sem retoques ou toques que possam lhe impedir de ser única,
Ergue-se majestosa, apimentada e recheada de trejeitos,
No meio de toda gente, ela é quem quer ser,

Cobiça o tempo que perdeu, goza e deleita-se em si mesma,
Corrige o baton vermelho que escorreu da boca. Compõe-se,
Ajeita o sutiã pousado nos ombros, retira o bandaid,
E endireita a alça do escarpin preto no calcanhar esquerdo,

Vira-se como pode, vira-se de ponta cabeça, vira-se do avesso,
Arranca o melhor de toda situação e a farpa do dedo
com os dentes,
Mulher brava e despudorada gargalha ao lembrar dos seus pormenores,
Compadece-se dos podres de espírito, geme, murmura e balbucia palavras sem nexo algum, para encobrir o que, realmente, sente,
Acha graça dos empinados, pernósticos e afetados e dos sem limites de modéstia,
Caçoa e zomba da pompa e da circunstância, supostamente, montada para ela,

Odeia comida japonesa, acha sem sabor; porém, aprecia o colorido,
Prefere o vatapá, caruru e o acarajé quente, muito quente,
Bebe pouco e assume, sobriamente, seus atos, atitudes e conduta,
Adepta da verdade, coagida, aprendeu a rodopiar nas rodas e na marra,
Transita muito solta e leve entre as órbitas sociais e urbanas. Impõe-se,

Desconfia de falas mansas, é partidária da linguagem forte e indomável,
Caprichosa, capciosa e ardilosamente vai cintilando e sobressaindo-se,
Nos giros, rotações e movimentos da vida, ela prossegue límpida e cristalina
Fulgura e circula clara e na claridade com clareza - é, claramente, luz.





sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Adeus!





Pensando na vida, linda, que terá dentro de poucos dias, ela sonhou,
Previu, filmou e decifrou cada pedacinho de tudo que viverá,
Cada brisa fresca que irá sentir no rosto ao dirigir novamente,
Livre e delicadamente vai "passar as marchas" do seu carro,

Racionalmente, certificou-se de sua carteira de motorista - válida,
Verificou seus cartões de crédito, talões de cheque e antiga "poupança",
Tudo acertado, combinado, preparado e aguardando por suas assinaturas,
Ela irá ao mercado, à feira, ao banco, ao salão e todos a cumprimentarão,

O bom humor e a alegria da cidade vão abraçá-la,
Todos falarão sua língua - ela não será mais uma estranha,
Dentro do seu ninho, junto da sua liga e perto dos seus iguais,
Ouvirá sotaques, regionalismos, comerá arroz com feijão,

Reconhecerá rostos, cheiros, lugares e cantos a cada passo que der,
Renascerá, mais uma vez, para as possibilidades futuras,
Permanecerá saudosa, agora dos novos amigos que fizera na arena,
Viverá instantes de emoção que ficarão tatuados em seu coração,

A hostil e agressiva vila decidiu dar-lhe os ares de despedida,
Com o céu azul, a lua de prata e dias de sol e calor,
O vilarejo cobriu-se de cores suaves e pessoas afáveis,
Nunca é tarde para se amar uma aldeia a distância, though,

Ela subiu no palanque, discursou, agradeceu e acenou,
No coreto da praça, viu pessoas choramingando a saudade,
Observou outras tantas indiferentes e inértes à sua saída,
Saída brusca, saída feliz, saída triunfante, saída doída,
Doída por deixar sua única boneca sozinha sobre a cama que dormira,

Não pode dizer que foi infeliz ou desgraçada,
Pelo contrário, existiram momentos lindos e dias de amor,
Chamegos, cafunés e carinhos; porém, recheados com saudades,
Saudade que doeu doída, arrastada e em branco e preto,

Ela parte escoltada pela Esquadra da Crença na Amizade,
Ela parte acompanahada pela Esquadrilha da Gratidão,
Ela parte seguida pela Cavalaria do Reconhecimento,
Ela parte conduzida pelo Esquadrão do Amor e da Plenitude.

Ela sai de cena!











terça-feira, 9 de setembro de 2008

Malas







Concordo, aposto, aceito os conceitos,
Releio "pré-conceitos", crio acessórios,
Rimo os ritmos, brinco com as palavras,
Não me enquadro às regras preconcebidas,

Frustações existiram, decepções dispersaram-se,
Sentimentos trabalhados e tarja preta ingerida,
Rejeições e repulsas foram inevitáveis,
Somos todos seres humanos em construção,

Digeri o remédio, assimilei os efeitos e esbanjei bem-estar,
Reconheci o estrangeiro, o estranho e neutro,
Exorcizei meus demônios, os gênios do mal e os espíritos malignos,
Optei pelas fadas, anjos, santos, duendes e purezas,

Seduções, cheiros, inconstâncias, fantasias e caprichos atendidos,
Enganos, danças, encantos, desencontros e o meu desencanar,
O ouvir, o escutar, o dizer, o falar, o andar e o caminhar,
Tudo parte desses seis sentidos que me fazem amar,

Não há mais tempo para o pensar só e o examinar,
A introspecção fica aguardando na velha caixa de retalhos,
Espera, passiva, sem fúria, sem medos e sem agonias,
O deleite da colcha, o regalo da concha e a delícia do côncavo,

Urge e surge a mala ríspida, rígida, austera e severa,
Preenchida de aplausos, abraços, acolhimentos e algumas alucinações,
O estrondo do retorno sussura leve e suavemente pelo contorno do cosmos,
A tríade, a trindade e o trinômio seguem,
Cantarolando, unidos, um mesmo refrão,


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Ancorando



Ela parecia ter conhecimento dos fatos que lhe iriam acontecer. Meio bruxa, meio fada, sabia que teria que ter forças para lidar com aquele mundo novo. Ainda que meditativa, relutante e desorientada ela embarcou naquele navio. O balanço do mar revolto fez com que ela ficasse enjoada e, inevitavelmente, ela vomitou. Vomitou o vômito mais amargo de sua vida, uma coisa sem cor vinda de suas entranhas mais profundas. Ninguém viu. Ela calou-se.

Destemida enfrentou furacões, amedrontada encarou a deriva da embarcação e fez daquela travessia, consistente e áspera, sua fonte de energia. Buscou, sem mediocridade, encontrar graça na viagem. Acredita que teve êxito, pois passou por certos e momentâneos instantes de prazer.
Machucou e foi machucada pelas tábuas do deque atingido, soltou gritos mudos para se fazer enxergar. Nada viu. Ela cegou-se na solidão.

Reparou em cada pedaço de gente encostada ao convés, aquela gente parecia encantada com uma flauta que nunca tocara. Era um pessoal adormecido e robotizado pelo comandante daquela construção destinada a navegar em mares irados, lastimosos e severos. Ela manteve-se atenta aos vasos, já sem flores e confirmou-se só, pode contemplar, sem pressa, uns cubículos onde toda a gente dormia e chamava, maravilhada, de cabine.
Viu, com melancolia e uma incapacidade heróica de ater-se ao que era visto, o passadiço e o calado do navio. Ela agitou-se.

Porém, deliciou-se e perdeu-se em seus pensamentos quando pousou seus olhos na âncora vermelha. Naquele instrumento náutico, metálico e em forma de cruz, estaria a solução para o final da travessia, era uma questão de tempo. A âncora fixaria, temporariamente, a embarcação em fundos rochosos, lodosos ou arenosos. Ela nadadia incessantemente até sua primeira praia.
O vento soprou forte e contrário e as almas escolhidas ainda não estavam prontas para o porto.
Ela cambaleou.

Porto escolhido, porto expremido, porto escavado, porto feito por outras almas.
A euforia tomou conta da moça de forma rápida, intensa e retilínea. Não haviam mais dúvidas sobre o aportar. O navio iria atracar a qualquer momento.
E ela não mais contaria as horas na sua antiga apulheta de areia colorida, não mais choraria a saudade da princesa, não mais reinaria absoluta no coração e no corpo do rei. Ela estava recoberta por encantos, fascinações e explosões de exaltação. Ela estava em estado de graça!
Teria que dividir e ser divida, mas estava inteira, completa, perfeita. Aos gritos de sorte, prazer e satisfação, ela chorou. O choro mais doce de sua vida. Choro de contentamento. Ela riu-se, gargalhou-se, emocionou-se, sentiu o mundo rodar e rodou com ele.
A carta, enfim, seria assinada!

Carta assinada, destinos selados, âncora ao mar!
Ela iria se vestir com todas as
cores do mundo e, lentamente, saborearia a descida da rampa da embarcação grande e prestigiosa, avistaria de longe a princesa e todo o seu reino de volta. A vida teria sentido outra vez. Entretanto, um tanto infeliz e atordoada, lembrou que os encantados e adormecidos permaneceriam em repouso total. Somente as almas cristalinas e serenas poderiam ver e sentir junto com ela. Ela é certeza.

Certeza de aportar, certeza de estar viva, certeza de amar, certeza de ser amada.
Avante, meu comandante!


terça-feira, 2 de setembro de 2008

Chegada












Não me entrego fácil assim, vou inventando diversão,
Tirando do bizarro um sarro, condicionando meu coração,
Lembrando para não ser esquecida,
Andando, às vezes, sem rumo; porém sempre seguida,

Espiando aqui e alí, inspirando o ar denso,
Expirando, sem pressa, o fluido tenso,
Mastigando o presente vivo,
Ruminando o passado já lido,

Não me entrego fácil assim, reinventando a graça,
Desistir jamais, concentrar, que com certeza, passa,
Transpassando e enganando o mundo,
Procurando encontar a luz do meu fundo,

Razoável, entendível; porém, tecnicamente,
Misterioso, enigmático e independente,
E com uma grande dose de realidade,
Revisando e resgatando a objetividade,

Vou chegar bem de mansinho,
Na surdina, com o céu muito estrelado,
Assustar, mas com carinho,
E abraçar muito apertado!