quarta-feira, 11 de junho de 2008

Morangos




Determinou-se um cineminha cult depois do trabalho.
Filme escolhido -
Wild Strawberries de Bergman.
Sentou-se na sala de projeção, quase vazia, num cantinho frio e bem abandonada.
Belinha queria assistir alguma coisa densa, que lhe fizesse pensar, analisar, refletir, ponderar.

Sucesso absoluto!

Saiu do cinema
quase meia noite numa deprê absurda. Viu-se no sonho do velho solitário, reconheceu-se na falta de ponteiros dos relógios, enxergou com assombro seu rosto de morte visto por ela mesma, com o mesmo terror do ancião protagonista do filme.

O trajeto para casa foi um "pensar" só. O filme lhe trouxe um tornado repleto de pensamentos duvidosos à respeito de sua existência.

Estaria ela vivendo de acordo com suas projeções juvenis? Nutria-se de elementos valiosos para não deixar-se apodrecer na solitude amarga e dura vivida pelo ator do filme? Belinha teria forças para enfrentar a deteriorização e o enfraquecimento de sua matéria? Teria ela construído bases sólidas para agüentar todo e qualquer intempério da sua própria natureza mãe?

Ao entrar em sua toca aconchegante, percebeu-se só, num universo que ela, mesma, havia construído apenas para si, viu-se mutilada de companhia, profundamente enraizada numa solidão silenciosa, quase morta.
Mas ela absorta em reflexões, sabia a razão primeira para todo esse acabar existencial e abafado.

Vivera até agora à procura do que não há por si só nem tempo todo. Percebera que seus atos, mesmo os mais insignificantes, tiveram efeitos recíprocos nos elementos que a cercaram e, com isso cada elemento seu ou alheio fora modificado também. E nem sempre essas modificações lhe trouxeram alegrias.

Por fim, deitou-se e entendeu-se uma tola que, passara a vida vasculhando em outrem ou no "em-torno" a felidicade, que só caberia e estaria dentro dela. Tolerou-se.
Entretanto, sentenciou-se
, consciente, a transpor suas paredes sólidas e em sono profundo caminhou ao encontro de seu inconsciente.

Sem resistências, buscou viver sua totalidade sem sombras e monstros externos. Buscou dentro de si sua imagem virtual, comprometeu-se a não culpar ninguém pelo que fosse visto, estaria ultrapassando seus dados "irreais" e fazendo, pela primeira vez, contato com arquivos pessoais, realmente, reais.

A manhã chegou e Belinha era outra.

Viu-se bela apesar de nenhuma maquiagem, viu-se fluindo intuitivamente, amou-se sem precisar de aparatos externos, quis-se por inteira sem ter que ter alguém que a quisesse. Ela era ela e ponto final.

E em suas deduções empíricas, percebeu-se livre, intimamente ligada ao seu ser, empenhada em destruir qualquer matéria que pudesse lhe causar dano. E interessou-se em arquitetar, juntar peças e renovar
toda substância e elemento sustentáveis que lhe fosse agregar algo de bom para sua existência.

Belinha chegou ao escritório sorridente e bastante disposta ao trabalho.
Seguiu para sua sala em passos de contentamento.


Sentou-se e, desta vez, entendeu-se traduzida.