domingo, 20 de dezembro de 2009

Amantes

Razões existiram para que aqueles jovens dois trocassem telefones,
foi um desses encontros que nos assolam sem piedade,
que nos levam os êxtase do sagrado por meio do profano, 
então os dois amantes revelaram segredos íntimos e diabólicos um para o outro,
perderam-se no tempo, no espaço, em lençóis macios e de cheiro agradável


Desapareceram amores, sucumbiram às certezas e gritaram de prazer,
um grito surdo e emudecedor rasgou a sala de jantar e fez-se ouvido no mundo,
Permaneceram imóveis, cheirando o aroma do deleite,
embebidos do contentamento do momento, perderam-se um no outro,

E o lugar ficou pequeno e quente para tanta delícia carnal,
era delírio, era perturbação incosciente, era química de peles, 
peles suadas, peles arrepiadas, peles descobrindo peles,
peles que precisavam daquelas exatas peles,

Era exultação sem hesitação com muita excitação,
A novidade do novo toque, a sabotagem ao antigo sabido,
a proeza do escondido, a manha do proibido, a façanha do desconhecido,
o escândalo da descoberta, a censura do pecado mordido, a arte da desordem,

O pensar cedeu espaço para o "não-pensar" e seus pensamentos vagaram,
A magia daquele instante ainda perdura naqueles corpos viscosos,
instaurou-se a anarquia naqueles corações imaturos,
instalou-se a o receio e a suspeita naquelas mentes tão prematuras, 

Confrontaram-se com a magia da realidade da improvável relação,
O anjo torto trouxe testemunhas vorázeis do desenlace,
ainda que não fosse o desenlace final, teriam que encarar algum desfecho,
a malevolência e a ironia seriam as amigas mais próximas.

Infelizes, ainda hoje, tentam  aceitar a vida fingida, 
vivem de acordo com o que lhes fora imposto,
sem prazeres, sem amores, secos e amargando seus calvários,
retorcidos pelas circunstâncias, seguem lutando contra ritmo parcial.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Líquida



Diferentemente de ontem, hoje ela pacificou-se,
entrou num estágio de bela e benéfica letargia ,
criou um personagem capaz de alimentar-se de desilusões,
passou a convencer-se da necessidade dos fatos ricos.


Iniciou uma fase de reticências, derivas e sortes,
afastou-se de seus tormentos, ânsias e aflições,
teve a habilidade de inventar uma situação cármica,
onde vê-se livre para encarar a coincidência vivida,


Tudo é sempre perdoável, inimaginável, imponderável,
sempre impessoal, não dirigível e falível,
ela ama incondicionalmente, é feita de amor e condescendências,
por um instante afrontou os nós desatados,


Ela não cumpriu seu papel, falhou em ser a pérola,
fendeu e despediu-se de si mesma há muito tempo atrás,
não encarou com exatidão o princípio correto, despiu-se
e preferiu ser covarde saindo `a francesa,


Vacilou no momento do enfrentamento,
deixou-se na mão e perdeu-se de seus lances felizes,
mas afinal quem é ela? ela é ela? ou ela é outro ser?
ela é um ser andante, acolhedor e pouco falante,


Ela é fraca, pobre,  podre e sem poder algum,
sem forças, sem rosto, sem gosto, sem valentia,
ela é nada, ela é invisível, ela é indivisível, ela  é indolor,
ela é inodora, insípida e incolor,

Ela é como a água que escorre pelas mãos,
mata a sede, refresca; porém não mata a fome,
enche um copo de cristal, uma bacia de prata, 
entretanto, é sem graça, não desperta o entusiasmo.


Ela é líquida e certa.










terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Voltou

Pensamento pensado, gestos gesticulados, atitudes tomadas,
saliva engolida, ar respirado, raptos sadios, 
sabor saboreado, amargo da vida, doce algodão, 
peitos, coxas, unhas e cabelos, tudo em vão,



Num raio de luz a agonia do peso,
a culpa consome, a dor é insana, a voz é serena,
o olhar penetrante distorce a alma,
agito de mente, desce ao ralo a sólida calma,


Pedaços e cacos dos fragmentos brilham ao sol,
querer, queria, mas não podia,
tudo amarrado, boca fechada, solidão vazia,
forte não mais, criança pequena, colo pedia,


A roupa lavada, amassada do tempo,
de branco encardido, preto surrado, vermelho desbotado,
as cores mudaram, o vento soprou, a roupa secou,
mudança que vinha, vida que ia, nada esperado,


A menina cresceu, a mulher esqueceu, o homem morreu,
o vaso quebrou, a chave emperrou, a lua emergira,
de tanto pensar, esqueceu de lembrar e desfaleceu,
voltou para o cosmo de onde surgira.













quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Velha




Alívio, tentativa, procura e entendimento.
Ela teima em não sair de cena.
Visões de prazer enchem seus olhos.
Ela quer, ela precisa, ela deseja.

Amarga o sabor da certeza.
Saboreia cada pensamento.
Devora seus instintos.
Alimenta-se de cada flash sonhado.

Mas ela envelhece...

Dança, canta, fala compulsivamente.
Exorciza-se, mas quer o diabo.
Tolerante, compreende e carece.
Tomar parte, infiltrar-se, espionar.

E ela envelhece...

Não racionaliza mais, quer, pede.
Implora, roga e, em paz, e faz seus curativos.
Limpa as feridas sem a menor dor.
Sem o menor pudor, com um certo prazer.

Porém ela envelhece...


Voa ao futuro e rasga suas tripas,
Vai ao passado e purga o pus da lembrança.
Lê o presente numa carta sobre a mesa.
Os olhos minam a água doce.


Exige, requer, supõe, geme e grita.
Goza do conceito, do esboço e da opinião.
Masturba-se com audácia e lentidão.
Quem é ela?


Uma velha senhora sentada `a beira do cais.
Uma velha puta feita de entranhas repugnantes.
Uma velha criatura sem função, sem título.
Uma pessoa que é o que nunca quis ser.


Ela...






terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Tharcilla




Tharcilla estava completamente absorta, perdida entre sua agulhas longas e pontiagudas de tricô, envolta em suas lãs, linhas e fios de almíscar e absinto. 
Era praticamente sua última laçada, enfiou com destreza a agulha na lã lilás, cor de flores de alfazema e no instante de puxá-la, foi  abduzida do seu mundo de paz e cores para o mundo real pelo toque de seu celular.
Assustou-se  por um momento; porém o som suave e sereno, como tudo em sua vida, fez com que voltasse ao seu ritmo terno e doce em segundos. 
Na telinha do telefone vinha um aviso de mensagem nova e fresquinha. 
Ela sorriu.

Ele nunca trazia mensagens de dor.
Então, prontamente, Tharcilla se prepara beber cada palavra escrita como se um néctar fora. As palavrinhas miúdas saltitavam e seus olhos brilhantes e atentos a tudo e a todos iniciaram a leitura.
Ela leu e releu por algumas vezes, nada novo...
O comunicado já havia sido feito  por gestos e atitudes, ela já havia compreendido a mensagem, muito, muito antes de ser escrita.

...nenhuma reação, nenhum sentimento, nenhum assombro.
Era só a mesmice já sabida, revelada e agora assumida.
Ela achou sublime, digno e bonito. 



Seu mundo continua  com cor, suas agulhas ainda ferem seus dedos, suas lãs, linhas e fios ainda se enroscam e se embolam.
Tharcilla olhou para o nada , respirou fundo, suspirou e não se abalou.
Enfiou-se novamente em confeccionar seu agasalho de vida.