quinta-feira, 10 de julho de 2008

A Dama








Vez ou outra eu ouvia falar dela.
Eram quase sempre notícias estapafúrdias e desconectadas da realidade. Na minha ignorância, entendia aquela mulher como uma pessoa lúdica e/ou extravagante, aquele tipo de pessoa que quando chega, CHEGA.

Tudo o que chegava aos meus ouvidos vinha de um grupo seleto de pessoas muito jovens
, o que me fazia crer que algo estava um "tiquinho" aumentado ou mesmo fantasiado, fruto da juventude e entusiasmo dos narradores.
Enquanto relatavam as experiências dela, as mais improváveis e inadmissíveis para qualquer ser humano normal, eu via brilho, assombro, espanto e até uma pontinha de admiração em seus olhares.

É chegado o dia de conhecê-la !

Muito estranha a criatura. Em alguns minutos enumerou mais de vinte ou trinta casos tristes de sua vida, lastimou-se do ex-marido, relatou segredos familiares, esvaziou, sem dó nem piedade, seu movimento existencial em cima de mim. Porém, ao mesmo tempo que parecia sacrificada e imolada, vangloriou-se de feitos que, para meus sentidos auditivos e sensitivos, soavam como aberrações, tolices ou eventos contrários a razão.

Surpreendi-me!

Com o passar de nossa ligação, foi ficando muito claro, para mim, a doença da coitada. Uma doença que jamais teria cura, uma doença que abateu toda a família . Uma doença que ela ia transmitindo, em doses homeopáticas, ao marido, ex-marido, amigos, amantes, filhos e todos mais que, porventura, cruzassem seu caminho.

A doença do vazio interno e interior. A doença da própria pena, da chantagem emocional, que, inevitavelmente, tem como foco secundário a solidão solitária, só e sozinha! Essa pobre mulher habita-se num deserto descampado e despovoado.

Penalizei-me!

A senhora deste conto escolheu viver numa terra utópica, criada por ela mesma com, é claro, brutais e segundas intenções
de confundir, sem muito esforço, a individualidade privada de todos os membros de sua quimérica confraria.
É uma personagem em sua própria vida, é uma caricatura de um saltimbanco, é uma dama burlesca.


Vaga só e única, com seu ponto central - seu umbigo,resultado do corte do cordão umbilical.
Resiste e sobrevive afastada da convivência social real, sem nunca ter compreendido o poético e o intuitivo.

Pobre atriz, sustenta a maquiagem, os cabelos e as roupas que a compõem.
Porém. pouco produtiva, estéril de sentimentos, nenhum filho, nem o livro, nem a árvore.










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